Conta a narrativa mítica que, após o "dilúvio" e a saída dos pais fundadores KAMÉ e KAIRU do centro da serra, seguiram-se noites em que aqueles pais criaram os animais. Depois desse trabalho - continua o mito - marcharam a reunir-se aos Cayngans (...) Chegaram a um campo grande, reuniram-se aos Cayngans e deliberaram casar os moços e as moças. Casaram primeiro os Cayurucrés com as filhas dos Camés, estes com as daqueles, e como ainda sobraram homens, casaram-nos com as mulheres dos Cayngans. Daí vem o motivo porque Cayurucrés, Camés e Cayngans são parentes e amigos (Borba 1904:59).

Mas, se atualmente todo o povo se reconhece como Kaingang, de onde viria essa parcialidade que encontramos no mito como Caingang?

Uma explicação possível é que, de fato, o termo kaingâg , kaingang ou kôinggëgn (conforme o dialeto de cada grupo local ou região) seja o termo de uso geral para designar "gente", "pessoa", "homem" ou "pessoa da nossa gente". Jules Henry, que viveu entre os Xokleng entre 1932 e 1934 os denomina Kaingáng, e os relaciona ao conjunto que reconheceu como "tribos que falam dialetos Kaingang" e "habitam os planaltos do sul da América do Sul desde o Estado de São Paulo, Brasil até a Argentina" (Henry [1941] 1964:xxi traduzido do inglês). Conforme Henry, na língua desse grupo, o termo "Kôingágn" (como ele o grafa), significa "homem", daí ser tomado como autodenominação (Henry [1941] 1964:209). Nesse caso, tanto os grupos que hoje conhecemos como Kaingang, como os que denominamos Xokleng, teriam em comum - por razões de proximidade lingüística - um mesmo termo, " Kôinggëgn " , que poderia ser reconhecido como "autodenominação" comum a ambos. Kaingang e Xokleng viviam num mesmo nicho ecológico e compartilham muitas crenças e costumes comuns.